segunda-feira, 11 de maio de 2009

O FRANCÊS, A MULATA E A TV

O FRANCÊS, A MULATA E A TV.

Merde, merde, gritou o francês, pegando no pé que acabara de bater num degrau inconveniente em meio às pedras de ardósia do passeio público por onde passava. Dor para que dor? Ao olhar o chão e a pedra assassina, imprecação do francês, vê as formigas que ali faziam também seu passeio carregando folhas secas para o Palácio luxuoso.Certo ficava no interior da terra, situado na Av. Paulista, mais perto da beirada da via pública onde carros galopavam com buzinas estridentes... Merde,repete de novo o francês, na sua praga favorita. Afinal qual o francês que não fala MERDE? Seu dedo do pé, com unhas bem organizadas e bem cortadas sofrera uma violência!
Tema para um debate! Gostava de debater, e pensamentos voavam, sobre o certo e errado, como a política fazia tudo errado, como os motoristas eram mal educados, como as coisas nunca iam do jeito que tinham que ir,...Suas reflexões seguiam assim, quando sentiu uma emoção, um arrepio,uma sensação de prazer antecipada,quando uma pele cheia de brilho, um perfume, um gesto, um balançar de cadeiras, vai passando ao seu lado na calçada. Seu olhar maroto, se inclina, faz um risinho, e brilha mais e mais, e um sorriso se insinua nos cantos da boca, desbarbada,... passa perto dele uma mulata! Ganjenta, bem vestida, cores fortes, saias curtas, pernas gordas, arredondadas e musculosas, que se apressam para pegar o Metrô.
Lembra, vendo sua imagem, os desenhos de Debret, outro francês que esteve por aqui no séc XVIII. A cultura se mistura à reflexão e ao instinto carnal. Não mede esforços: movimenta-se em direção, vai seguindo, olhando à direita e à esquerda,,,, pode-se ver que está à procura de alguém. Por instantes sua atenção é desviada para uma vitrine, bolsas grandes como dita a moda, a França um pais de moda, incutido no paladar francês.
Sente-se confuso, gostava das cores, lembrava sua viagem à Bahia também acolhedora, saudosa, colorida, e pobre;por isso talvez, que era linda, as coisas primitivas, o seu jeito franco de ser, o perigo iminente que se vivia no ar, o exotismo, a ameaça de uma briga no pier. Todos eram dente por dente, olho por olho, e finalmente ele chega ao Metrô. Um pouco cansado é verdade, dada a pressa com que viera atrás daquele petisco indizível, aquele pedaço de um bom caminho, aquele grupo de contingências, aquele balançar de pulseiras, aquelas cores vermelhas e laranjas a estimular a sua retina e as promessas do desejo, satisfeitas.
Antevia o gozo, que o esperava... Todos os europeus gostavam das nativas... Porque seria? Talvez o tanto que exóticas, a fantasia de um país estrangeiro, a facilidade de acesso e a pouca exigência de desempenho que as nativas ofereciam. Os europeus tiveram vida dura, muito educados, exigente e, portanto, castradores... Críticos, aqui não; aqui não se fazia critica, aqui se permitiam as coisas, os amores, os enlaces, a descontinuidade da paixão.... O objeto do desejo vivo, alegre, cheiroso.
Mas ela gingava à sua frente agora, e como um açodado meneou a cabeça, consegue sua atenção e entabula conversa. Mas que bela cor, você tem, e já a mão ligeira esticada e a vaidade assoberbada, encontra a pele que se arrepia, no seu toque ligeiro, delicado de um bom entendedor.
Já no piso do Metrô convida:
Vamos tomar um cafezinho?
Ela estica o lábio, faz um muxoxo, de quem sabe que está agradando e finge não querer a tentação.
Mais um pouco, já no cafezinho ele insiste em se conhecerem melhor, trocam olhares, ele faz festa, a graça da relação já instalada. O hotel em frente ao Metrô é o alvo escolhido e perfeito.
Sobem as escadas com graça e ele dá um tapa em sua bunda redonda e musculosa, e sobe atrás dela, por escadinhas bem antigas de madeira torneada.
A porta do quarto se abre, com o clarão da luz da noite que começa e mostra o final do dia. Boa hora, gostosa, calma, fora do rebuliço das ruas.
A colcha de flores grandes coloridas e chamativas ,aquece o ambiente.
As cortinas transparentes e coloridas de uma azul lilás deixam ver os anúncios das fachadas do vizinho.

Carícias, afobação, sapatos de salto jogados para o ar, e a cena de amor vai se configurando ao gosto, cada vez mais apetitoso. A Tv é ligada, para criar mais uma clima pela morena jambo que se desfaz em atenções com o novo amigo, amante ou .... algo especial,.... Quem sabe uma viagem para a França, pensou logo a mocinha, quem sabe morará em Paris?? Paris aonde fica mesmo, seria na França ? A dúvida desvia seu olhar, e ela vai ao banheiro, ( ou ao toillette, como diria o francês) por um instante. A TV mostra um jornal. A questão, diz o jornalista, é que a invasão do Iraque agora completaria mil dias e outra bomba explode no meio da cidade... Um grupo de debatedores a postos no estúdio, dá inicio ao debate. O francês se instala para dar uma olhadinha sentado na cama, de cuecas azuis de bolinhas, sapato preto e meia preta.... fica olhando o debate....

A morena volta faz um abraço por trás, mexe no seu cabelo, e ele ajeita de novo a cabeça, se safando das carícias que agora pareciam descabidas.
O cientista político afiança que a guerra não terá fim, outro rebate e assim as horas vão se passando e o francês não consegue tirar olho da TV e a morena desanima e deita para um cochilo enquanto espera, os sonhos de ir para a França, vão se misturando aos sonhos de verdade do dia a dia,do Metrô que não pára quando ela quer entrar, no pulo do gato no telhado do vizinho ....Lá pelas tantas, o francês se cansa, desliga a TV deita ao seu lado de costas,,....e dorme. Et il ronfle.

O amor subjugado pelo debate!!!!
Ficará para amanhã?

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